Texto de Thiago Salomão, do Market Makers
5 de novembro era a data para acontecer o evento mais aguardado pelo mercado em 2024: as eleições nos EUA. Mas após o atentado contra o candidato republicano Donald Trump no último sábado, muita gente já diz que o resultado está definido.
Só um passo atrás para quem não estava no Planeta Terra no fim de semana: um comício de Trump na Pennsylvania foi interrompido após 10 tiros terem sido disparados. Uma pessoa morreu e Trump foi atingido na orelha direita, mas ele ficou bem. O atirador foi morto.
A icônica foto de Trump com o punho erguido e com a bandeira dos EUA tremulando ao fundo, logo após os disparos enquanto era retirado pelos seguranças, viralizou em grupos de whatsapp e redes sociais, seguida da mensagem: depois dessa, Trump venceu as eleições.
Se as chances de Trump vencer são enormes – e como o mercado sempre antecipa os eventos que virão no futuro -, não há pergunta mais importante neste momento do que: como fica o mercado em um eventual novo governo Trump nos EUA?
Antes de mais nada, é impossível não se preocupar com os impactos que esse atentado pode trazer no curto prazo. Na noite de sábado, Ian Bremmer, presidente da consultoria de riscos Eurasia Group, publicou um vídeo em sua conta no X dizendo que isso “é o pior tipo de evento que poderia acontecer” neste momento.
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Nas palavras de Bremmer:
“Devemos estar preparados para mais violência, em todo o espectro político (…) Estou profundamente preocupado que [o atentado] preceda mais violência política e instabilidade social” (…) “É o tipo de evento que vimos historicamente em muitos países que enfrentavam instabilidade e que frequentemente não acaba bem”.
O consultor também acredita que o atentado aumenta as chances de Trump ser eleito.
Mas o que esperar de um novo governo Trump?
Responderei a pergunta com um resumo da aula que tive do Paulo Leme e do Artur Wichmann no último vídeo do Comitê Global de Alocação da XP Advisory US. Inclusive, já citei por aqui que esse vídeo é um dos meus “must watch” de todo mês. A leitura de cenário do Leme e o trabalho de pesquisa do Wichmann tornam esse conteúdo incrível.
O vídeo é de quinta-feira, dois dias antes do atentado. Neste vídeo, os dois economistas mostraram como seria um novo governo Trump (tendo em vista seu amplo favoritismo após o debate presidencial) e qual o impacto da plataforma Trump em dois pilares importantes: imigração e guerra comercial.
Paulo Leme
O cenário está todo propício para queda de juros nos EUA: a inflação vem caindo forte nos últimos 12 meses, a economia segue no equilíbrio ideal entre “não estar bombando mas não está em recessão” e o mercado de trabalho está indo na direção que o Fed esperava. O primeiro corte deve vir este ano. Mercado aposta em setembro, eu acho que vem só em dezembro.
O problema é o fiscal. A situação fiscal é cada vez mais preocupante, a dúvida é quando ela vai fazer preço? Quando e quanto o mercado colocará de prêmio na curva?
Trump leva a presidência e os republicanos levarão o Congresso e o Senado. Será a Red Wave. Nunca é favorável quando um dos partidos vence as 3 casas pela falta de negociação de acordos.
O déficit nominal fiscal saiu de 3,7% (média de 1974 a 2023) para 7% em 2024 e com a pior composição possível: queda significativa de receita, crescimento forte de gastos obrigatórios como previdência e medicare e, ao mesmo tempo, com a alta taxa de juro aumentando o custo e o tamanho da dívida e a pressão pelo pagamento.
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A Comissão de Orçamento, na última revisão feita em junho, aumentou em US$ 400 bilhões os déficits adicionais para este ano pelo pagamento de Treasuries. E quando você olha a revisão acumulada para os próximos 10 anos (até 2034), há um incremento de dívida de US$ 23,6 trilhões, que equivale a 19% do estoque total de dívida no mundo. É um enorme supply e que vai gerar um grande problema.
Fonte: live da XP Advisory
Descrição da imagem abaixo:
Esquerda: despesa cresce acima da média história de 50 anos
Direita: receita cresce abaixo da média histórica de 50 anos
Fonte: live da XP Advisory
A solução: ou aumenta a arrecadação e cria-se impostos ou governo vai dar uma “tungada” na previdência e medicare (sistema de seguros de saúde do governo dos EUA). Como o Trump busca sempre corte de impostos, isso vai na direção de uma aventura fiscal, que não tem como acabar bem.
Tanto Trump quanto Biden são bem ruins em termos de dívida pública. Ambos são gastadores, com a diferença que o Biden aumentaria impostos e o Trump deve cortar impostos. E hoje cortar impostos é inviável nos EUA. Pra quem pensa que o Trump será responsável, pense duas vezes, pois você vai se decepcionar.
Fonte: live da XP Advisory
Na tabela abaixo, a comparação entre os governos Biden x Trump. Mesmo tirando o efeito da Covid, Trump aumentou em 22 pontos-base a dívida/PIB durante sua gestão.
Fonte: live da XP Advisory
Para reduzir a dívida pública dos EUA, é preciso ter um ajuste fiscal de 4,9% do PIB. E tudo indica que não será feito ajuste – pelo contrário: qualquer um dos dois gastará ainda mais.
Todos os elementos indicam para um crescimento no coeficiente de Dívida/PIB:
i) taxa de juros subiu (e com isso os gastos com juros subiram)
ii) crescimento desacelerouiii) déficit primário segue crescente
A dívida total dos EUA está em US$ 34,8 trilhões, o que é 40% do estoque total de dívida no mundo. Desse montante, US$ 7,2 trilhões estão ‘escondidos’ no Fed e nas agências federais.
Em algum momento, o yield das treasuries vai subir porque o mercado vai exigir um juro maior para o nível de dívida/PIB (o limiar é entre 100% e 120% do PIB, estima o governo). Segundo a Comissão do Orçamento, não havendo ajuste fiscal e dada a deterioração da despesa e queda da receita nos próximos 10 anos, o Fed vai ter que socar US$ 24 trilhões de novas dívidas no mercado, que é praticamente 19% do estoque total de renda fixa global.
Ou seja, quanto mais a dívida do Tesouro dos EUA cresce (desloca-se à direita do gráfico), mais downgrades no rating ocorrerão e mais prêmio o mercado exigirá.
Fonte: live da XP Advisory
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Resumo do governo Trump: expectativa de como ele deve reagir a determinados temas:
A importância da imigração para a viabilidade fiscal dos EUA:
A força de trabalho de imigrantes é de 45 milhões de pessoas nos EUA (dados de 2021) e tem entrado por volta de 3 milhões de imigrantes/ano. A previsão do orçamento é que o governo precisa de 1,1 milhão de imigrantes/ano entre 2027 e 2054 para manter a receita constante.
A imigração aumenta força de trabalho (+0,6%/ano) e a produtividade de trabalho (+0,8%/ano entre 2024 e 2028 e +1,5%/ano entre 2029 e 2034). Impacto estimado: +US$ 1,2 trilhão entre 2024-2034 (IR PF e retenção de fonte) e redução do déficit fiscal em US$ 900 bilhões.
Artur Wichmann
Plataforma Trump impacta dois pilares relevantes: imigração e guerra comercial
Imigração
De 2021 pra cá, mais da metade da contribuição do PIB foi de horas trabalhadas: se você fechar o mercado de imigração, vai desequilibrar a oferta de mão de obra, pois entra entre 1 e 1,5 milhão de imigrantes por ano. Uma boa parte da recuperação da economia americana pós-Covid veio da mão de obra.
Guerra Comercial: como ela afeta o S&P500?
Na média, 28% das receitas são afetadas pela guerra comercial (empresas americanas que sofrerão represálias após medidas dos EUA).
60% da receita do setor de tecnologia vem de fora. Por exemplo: o iPhone, que é um produto americano mas é montado pela Foxxcom na China. Imagina uma tarifa de 60% sobre ela, isso pega direto a Apple, semicondutores e empresas de hardware. Qualquer medida anunciada contra a China pode pegar em cheio empresas que foram fundamentais para o rali do S&P500.
E os mercados não estão preparados para um choque, e isso nos preocupa. Basta ver a volatilidade implícita no MOVE Index e no VIX. A não preocupação do mercado nos preocupa.
Conclusão: a parte de inflação, PIB e emprego caminham para o lado do Fed cortar os juros, mas a eleição caminha para o lado do Trump e isso traz uma grande preocupação para o fiscal. Se o Trump não mudar os planos dele, seria game over.
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